Charles Baudelaire

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LXXXIII

L’HÉAUTONTIMOROUMÉNOS *

A J. G. F.

Je te frapperai sans colère
Et sans haine, comme un boucher,
Comme Moïse le rocher!
Et je ferai de ta paupière,

Pour abreuver mon Saharah,
Jaillir les eaux de la souffrance.
Mon  désir gonflé d’espérance
Sur tes pleurs salés nagera

Comme un vaisseau qui prend le large,
Et dans mon coeur qu’ils soûleront
Tes chers sanglots retentiront
Comme un tambour qui bat la charge!

Ne suis-je pas un faux accord
Dans la divine symphonie,
Grâce à la vorace Ironie
Qui me secoue et qui me mord?

Elle est dans ma voix, la criarde!
C’est tout mon sang, ce poison noir!
Jê suis le sinistre miroir
Où la mégère se regarde.

Je suis la plaie et le couteau!
Je suis le soufflet et la joue!
Je suis les membres et la roue,
Et la victime et le bourreau!

Je suis de mon coeur le vampire,
— Un de ces grands abandonnés
Au rire éternel condamnés,
Et qui ne peuvent plus sourire!


* Título tomado a uma comédia de Terêncio, O carrasco de si mesmo.

* * *

      Tradução de Ivan Junqueira

O HEAUTONTIMOROUMENOS

A J. G. F.

Sem cólera te espancarei,
Como o açougueiro abate a rês,
Como Moisés à rocha fez!
De tuas pálpebras farei,

Para o meu Saara inundar,
Correr as águas do tormento.
O meu desejo ébrio de alento
Sobre o teu pranto irá flutuar

Como um navio no mar alto,
E em meu saciado coração
Os teus soluções ressoarão
Como um tambor que toca o assalto!

Não sou acaso um falso acorde
Nessa divina sinfonia,
Graças à voraz Ironia
Que me sacode e que me morde?

Em minha voz ela é quem grita!
E anda em meu sangue envenenado!
Eu sou o espelho amaldiçoado
Onde a megera se olha aflita.

Eu sou a faca e o talho atroz!
Eu sou o rosto e a bofetada!
Eu sou a roda e a mão crispada,
Eu sou a vítima e o algoz!

Sou um vampiro a me esvair
— Um desse tais abandonados
Ao riso eterno condenado,

E que não podem mais sorrir!

In BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1985, pp. 306-309.


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